domingo, 1 de abril de 2012

Como romper com o histórico dualismo entre ensino médio e educação


Gaudêncio Frigotto –

A sociedade brasileira forjou um projeto societário desigual e as lutas sociais ao longo do século XX foram incapazes de romper o tecido estrutural de criminosa concentração de renda e capital na mão de poucos. Uma espécie de ornitorrinco, na metáfora de Francisco de Oliveira4, em que analfabetismo, trabalho informal, baixos níveis de escolaridade não são um problema, mas, inerentes e funcionais. Minimizar a dualidade na educação implicaria efetivar o que a geração de intelectuais do pensamento social crítico entendia como Revolução Nacional, não a socialista, mas condição prévia de sua possibilidade futura – um projeto de desenvolvimento autônomo e soberano com reformas estruturais de efetiva distribuição de

renda, integrando o povo à vida digna, com acesso ao trabalho, moradia, saúde, educação e cultura. Diferentes forças da sociedade buscaram esse caminho, após a ditadura Vargas, uma intensa mobilização da sociedade no campo intelectual, cultural e artístico, educacional e político, que a classe dominante brasileira interrompeu, com a força das armas e do arbítrio, pelo golpe e ditadura de 64. Nos 20 anos de ditadura, houve reformas na educação, da pré-escola à pós-graduação, e o dualismo foi solidificado.

Na falta de hegemonia, o dissenso permanece, ainda que latente, e na década de 1980, a agenda das reformas de base e da escola pública, universal, gratuita, laica foi retomada, acrescida das teses da escola unitária e politécnica do pensamento socialista, momento de intensas disputas de ideias e de projeto societário. A Constituição sinalizou avanços, mas a sociedade foi incapaz de rupturas. A década de 1990, Governo Collor de Mello, foi a do ajuste às reformas neoliberais, com a destruição da face pública do Estado. A tarefa antinação coube a Fernando Henrique Cardoso, que a cumpriu à risca. Seu ministro da Educação, Paulo Renato, intelectual forjado nos organismos internacionais, mediante o Decreto nº 2.208, de 1997, ampliou a dualidade, desmontando a precária integração da formação profissional do ensino médio e implementando diferenciações, estendidas ao ensino superior. Para as universidades

federais destinam-se as classes dirigentes e ao ensino privado de baixa qualidade vão os setores mais pobres da classe média, pois a grande maioria da classe trabalhadora não chega ao ensino superior. A eleição de Lula da Silva criou a possibilidade de mudanças estruturais, refundando a nação e firmando um marco de não retorno. Seriam necessárias medidas radicais, além de um simples governo desenvolvimentista (OLIVEIRA, 2003a), mas esse marco não se efetivou e, no estrutural, continuamos na abertura de espaços para o capital5. A anulação do Decreto nº 2.208, de 1997, e a criação do Decreto nº 5.154, de 2004, possibilitou a volta do ensino médio integrado, mas manteve todas as possibilidades do decreto anterior.
Romper com a dualidade estrutural é equação complexa e não se resolve com reformas
só no campo da educação, mas será significativo se resultar de mudanças estruturais
na ordem social, econômica e cultural da sociedade.

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